Quando eu era criança havia no bairro onde morava uma tradição na sexta-feira santa: fazer um “Judas”. Era feito de uma calça, camisa, luvas, meias ou sapatos – todos velhos e descartáveis -, e seu “corpo” costurado era cheio com palha de milho ou jornais ou serragem. A cabeça poderia ser feita de pano ou outro material, e nela se desenhavam olhos, nariz, boca e até mesmo orelhas. Dava-se um toque de requinte: um chapéu ou boné velho. Feito o boneco, um pedaço de corda ao redor do pescoço e um poste para pendurá-lo se faziam necessários e, por fim, no peito uma plaqueta: “traidor”. Aquele boneco ficava a noite toda em exposição para que, no sábado de aleluia, pudesse ser “malhado”, e depois arrastado e queimado.
Confesso que enquanto escrevo e reavivo a memória, vejo o quão “cruel” era esta tradição, e quanto ódio ela provocava. Este é o sentimento que muitos possuem ainda hoje a respeito de Judas: um personagem mau e ignóbil (que não é nobre, horroroso, repugnante, hediondo), digno das atrocidades que lhe eram dirigidas.
Quem foi Judas? Um dos “chamados” do Senhor para segui-lo e servir ao reino; um dos poucos que não eram galileus (era de Queriot, de onde deriva o nome Iscariotes); que possuía alguma instrução ou habilidade ao ponto de ser escolhido por Jesus para o cargo de tesoureiro do grupo apostólico; e que era ladrão (Jo 12.6). É bem verdade que traiu Jesus de uma forma hipócrita – com um beijo – como se tivesse algum afeto por Jesus. Vendeu seu mestre por míseras 30 moedas de prata – o preço de um escravo medíocre. Fez estas coisas mesmo após Jesus ter lhe demonstrado amor e dedicação ao lavar seus pés e ao cear com ele na páscoa, considerando-o como parte da família da fé. Judas tinha tudo, mas não deu o devido valor ao que possuía. Somente entendeu isto quando Jesus foi condenado à morte e se encheu de remorso (Mt 27.3). Devolveu as moedas, confessou seu pecado, mas era tarde demais! (Mt 27.4-5).
Não quero mais malhar o Judas. Ele já teve castigo suficiente nesta vida e na morte eterna. Quero lembrar da sua história para não permitir que a ganância e o amor ao dinheiro encham meu coração; quero lembrar que ele tinha tudo e acabou sem nada – e assim quero valorizar o que possuo: uma família na fé que é muito especial e que devo amá-la sempre, e acima de tudo ser grato ao Cristo que me lavou os pecados e me convidou para cear com ele.
Sábado de aleluia. Louvado seja o Senhor Jesus que nos sustenta em sua graça e amor!
Um bom e abençoado dia!
Rev. Joel